Uma montanha de caveiras de bisões. Material a ser usado como fertilizante (1870) Fonte: @Jamie_Woodward_ on Twitter.
O termo “necropolítica de espécies” foi criado pela crítica Sarah Groeneveld, em uma tese defendida em 2014 na University of Wisconsin-Madison. Seu trabalho analisa as relações entre os animais, a morte e a linguagem nas obras Disgrace (1999) e Life of Animals (1999), de J.M. Coetzee; Beatrice and Vigil (2010) de Yann Martel; White Teeth (2000) de Zadie Smith e Wide Slumber for Lepidopterists (2006), de Angela Rawling. Além de abordar questões filosóficas e materiais ligadas a morte de animais, o trabalho de Groeneveld dialoga com outros temas ligados, por exemplo, a raça, gênero e sexualidade que emergem nessas obras.
O conceito de necropolítica de espécies tem como foco principal os sistemas políticos e culturais que regulam a morte de animais. Analisa os pressupostos da autoridade humana sobre a morte animal, o chamado “direito humano de matar”, a luz dos afetos, da ética e das relações materiais. Apesar de ser um conceito fortemente ancorado em formas literárias de representação do luto e do sofrimento animal, a autora utiliza o termo para descentralizar a agência humana, localizando passagens e momentos nos textos onde os limites entre os animais humanos e não-humanos tornam-se imprecisos ou mesmo inexistentes. A morte e o luto, seriam os principais pontos de encontro entre humanos e não-humanos nas obras analisadas por Groeneveld.
Necropolítica de espécies trata-se de uma reinterpretação pós-humanista e ancorada nos animal studies, do conceito de necropolítica do filósofo camaronês Achille Mbembe. Para Mbembe, necropolítica é a política como trabalho de dominação e morte, que visa o aniquilamento do lugar, a exclusão de direitos do outro sobre o próprio corpo e a sua destituição como sujeito político. A morte seria, nesse caso, a animalização racial e cultural do outro, para a manutenção da vida daquele que controla e domina. A conceitualização de Mbembe é fundada em uma ontoepistemologia moderna, onde humanos são, em essência, diferentes dos animais, pela consciência da morte e sua vontade de controlar ou confrontá-la.
No caso do conceito criado por Sarah Groeneveld, por outro lado, há a tentativa de desmontar o antropocentrismo desafiando os limites entre animais humanos e não-humanos, pensando a morte como elemento que une os diferentes seres que habitam o planeta frente a crise ambiental e o antropoceno. Importante ressaltar, que o conceito reconhece a interdependência entre diferentes formas de vida e existência, para além das categorias de espécie ao apontar que o sofrimento e o “direito de matar” não necessariamente coincide com divisões entre espécies, mas, em muitos casos, borram esses limites e estabelecem outros, que marginalizam populações humanas ou as “animalizam” (caso dos trangêneros, por exemplo). Necropolítica de espécies, portanto, é um conceito que expande a noção de necropolítica para além de seus limites primordialmente antropocêntricos, alargando a percepção do que seria a sociedade.
Referências
GROENEVELD, Sarah. Animal Endings: species necropolitics in contemporary transnational literature. Dissertation. PhD in Philosophy at the University Wisconsin-Madison, 2014.
MBEMBE, Achille. “Necropolítica, una revisión crítica.” In: Estética y Violencia: necropolítica, militarización y vidas lloradas. México: Museo Universitario Arte Contemporáneo/Universidad Nacional Autónoma de México, 2012.