Nos últimos tempos tenho me dedicado a pensar como o ciclo da água é interessante para analisar nossas relações e nossa inserção no planeta. Mais do que isso, como o ciclo da água ajuda a pensar as noções de tempo e temporalidade na História, e o lugar das contingências na conformação histórica. No artigo sobre a personagem Lapis Lazuli, e as águas no desenho Steven Universo, publicado na revista Series no começo desse ano, esbocei algumas dessas minhas preocupações.
Cena do clipe Water Runs Dry de Hazem Beltagui & Sarah Lynn
Nas artes, o ciclo da água em muitos casos funciona como uma poderosa metáfora para as contingências, rupturas inesperadas em uma situação aparentemente estável e confortável. Uma bifurcação que muitas vezes promove dor, sofrimento e ansiedade frente a uma mudança brusca. Dizer que os “sonhos são como água”, analogia muito comum em letras de música, por exemplo, reforça como a linearidade de nossas idealizações ou o desejo de um ordenamento linear do mundo choca-se violentamente com a não-linearidade ou anti-linearidade dos fenômenos físicos, emocionais e concretos do dia-a-dia.
Essa pequena reflexão me veio imediatamente ao escutar a música “Water Runs Dry”, do DJ Hazem Beltagui com a partipação de Sarah Lynn no vocal. Tanto a letra da música quanto o clipe reforçam a analogia do ciclo hidrológico com os estados permanentemente contingentes das relações concretas no mundo, sejam elas sociais ou não. A água associada a sua materialidade fluida e em constante transformação no espaço serve de reflexão sobre as decepções (no caso da música e do clipe em específico trata-se de uma decepção amorosa), fruto de idealizações e desejos por uma linearidade e permanência muitas vezes avessa as dinâmicas concretas no mundo. A “natureza” ou as águas aqui, não emergem como elemento estático, mas fenômeno dinâmico, ativo e surpreendente, um objeto desobediente a nos lembrar que a vida não é redutível e menos ainda gira em torno de nossos anseios.
Hazem Beltagui & Sarah Lynn – Water runs Dry (Letra)
For a moment I could rest
On the tender shoulders of hope
I swam in the depth
of your warm embrace
and I could float
On the power of faith
Followed the stream
All the way to your heart
Far beyond my broken past
I found peace on an island of belief
Dreaming it would last
But dreams are like water
Running dry as soon as we wake up
Gone before we’ve noticed
We’re living on borrowed tides
Coz dreams are like water
and Water Runs Dry