O dia 23 de outubro de 2015, foi histórico para a meteorologia moderna. Na verdade um dia histórico para o planeta. Foi o momento da aparição do mais forte furacão já registrado, batizado com o nome Patrícia. Patrícia vem do termo “patrício”, cidadãos que perfaziam a aristocracia romana. De fato, Patrícia nasceu e rapidamente entrou em posição de alto destaque no seleto rol das maiores tempestades já registradas.
Patrícia foi detentora de alguns recordes. Em menos de 24 horas, passou pelos estágios de depressão, tempestade tropical, e chegou a furacão de categoria 5, velocidade de desenvolvimento nunca antes registrado. Linda (1997) detinha o recorde anterior de desenvolvimento (36 horas). A velocidade constante dos seus ventos chegou a 200mph (mais ou menos 320 quilômetros por hora), superando, e muito, o recorde de Camille (1969), que era de 190mph. A pressão central da tempestade também foi a menor já registrada, 892 milibares contra os 902 milibares do furacão Linda (1997).[1] A força de uma tempestade tropical é medida pela pressão do seu centro, quanto menor a pressão, mais forte a tempestade é. A Organização Meteorológica Mundial chegou a comparar Patrícia ao tufão Hayan (2013) que deixou um rastro de mais de 6.000 mortos nas Filipinas.[2] A boa notícia é que Patrícia tocou terra em uma reserva florestal do estado de Jalisco. Seguiu pelo interior do México, também por áreas remotas, perdendo força rapidamente.
Há alguns anos os cientistas alertam para as consequências das mudanças climáticas. Uma delas é a intensificação de fenômenos climáticos extremos. O furacão Patrícia é só mais uma amostra do futuro que construímos com toda a arrogante postura do humano como centro do universo. O desenvolvimento, o consumo, as hierarquias e a ilusória noção de domínio sobre a natureza, nos transformou em uma das principais forças promotoras de alterações em nível planetário. Estamos destruindo a nós mesmos e muitas das entidades não-humanas dos quais o humano depende para existir. A ação humana e as alterações climáticas destroem outras espécies e entidades, modificam muitas outras, concede vida e intensificam forças que se constituem como ameaças a sua própria existência.
E o que nós historiadores podemos fazer? Creio que pensar em algo novo, em novas formas de pensar históricamente, descentralizando o humano nos múltiplos processos planetários, de forma horizontal, já seria um bom começo. Reconhecer a “natureza” o “outro”, não como recurso, mas como múltiplos agentes que constituem o planeta e o próprio humano. É nos reconhecermos no “outro”, e o “outro” em nós. Patrícia, assim, não poderia ser entendida como “desastre natural”, mas como a nossa filha (bastarda, talvez). Mas, ainda assim, um dos frutos da forma como o humano coexiste com “os outros” no planeta.
Creio que esse reconhecimento pode ajudar a conformar uma nova ética, extremamente necessária, para se pensar seriamente na futura sobrevivência humana. Problema fundamental a ser resolvido, o mais rápido possível, no presente. E a História pode ter um importante papel nesse reconhecimento, assim como as outras áreas das ciências humanas.
[1] Patricia, Strongest Landfalling Pacific Hurricane on Record, Downgraded to Tropical Depression (FORECAST). The Weather Channel. http://www.weather.com/storms/hurricane/news/hurricane-patricia-mexico-coast?cm_ven=Twitter&cm_cat=www.twitter.com&cm_pla=tw_feed&cm_ite=tw_social_tweet
[2] México se prepara para o pior furacão da sua história. El País. http://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/23/internacional/1445609726_141917.html