Recentemente, estive reunido com um grupo de estudos sobre ambiente e história das ciências, do qual faço parte. Ultimamente estamos lendo artigos e textos de historiadores do campo da História das Ciências e da História Ambiental. Esses textos majoritariamente versam sobre processos coletivos envolvendo o emprego de agrotóxicos na produção de alimentos. A temática é interessante e de extrema importância para os dias atuais, especialmente no Brasil, onde o governo constantemente é denunciado por ser muito liberal nos usos e abusos dos chamados “defensivos agrícolas”.
Entretanto, para além de visões e métodos instigantes, a bibliografia que estamos lendo, me fez pensar em outra abordagem, até então, aparentemente, pouco explorada por uma historiografia sobre o emprego de agrotóxicos e pesticidas. Uma abordagem que parte do pesticida, enquanto objeto técnico, e suas redes humanas e não-humanas. Muitos desses estudos parecem partir das conseqüências para humanos e “natureza” do emprego de pesticidas em larga escala. Em alguns casos, há trabalhos que partem mesmo da noção de “desastre”, para analisar os usos de agentes químicos em técnicas agrícolas e de saúde pública, promovendo prejuízos a saúde humana pela contaminação de águas e solo. E eis que pensei: “não seria interessante realizar uma análise partindo do pesticida, seguindo suas redes, ao invés de partir das escolhas de grupos sociais, escolha que, fatalmente culmina [principalmente] nas conseqüências socioambientais sentidas por grupos humanos com maiores níveis de exposição?” Entender o pesticida como força, como agente histórico que emerge, se fortalece, conforma relações, transforma e afeta de diferentes maneiras comunidades humanas e não-humanas planeta afora, não tornaria a análise mais densa, mais complexa, mais planetária e ontologicamente planificada?
Uma análise assim colocaria o objeto técnico como processo aberto em primeiro plano. Tornaria a noção de “desastre” bem mais complexa, pois seriam evidenciadas as reconfigurações dos fluxos materiais e imateriais, ou como (e quais) humanos e não-humanos se fortalecem com a emergência do pesticida e como outros são silenciosamente aniquilados em sua saúde, e mesmo em seus pensamentos, relações e práticas. Não haveria espaços para binarismos, mas para multiplicidades de processos históricos socioambientais profundamente interligados.
Hoje, felizmente chegou em minha linha do tempo do Twitter um instigante curta-metragem que exemplifica bem o meu pensamento sobre essa análise envolvendo os pesticidas. O filme Rare Earthenware, do fotógrafo Toby Smith tem como foco principal a incrível força de celulares, laptops e outras tecnologias em transformar diversos aspectos sociais e ambientais em escala planetária, seguindo os seus fluxos mundo afora. É uma análise cuja historicidade é retrospectiva, localizada nas viagens que esses objetos fazem, partindo de um porto na China por onde são escoados os objetos eletrônicos, passando por sua fabricação e pela exploração da matéria-prima. O desastre aqui está presente, mas ele é difuso, transversal, planetário envolvendo as escolhas e decisões humanas sim, mas, sobretudo, a força que os objetos técnicos em movimento possuem na conformação dessas escolhas e decisões.